Padre David Francisquini
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 875, Novembro/2023
Pergunta — Um amigo me comentou recentemente que havia parado de dizer palavrões, pois lhe tinham dito que era pecado. Acrescentou que recomeçara, porque não via nada de prejudicial nisso, desde que evitasse insultar a Deus, ofender injustamente o próximo ou proferi-los em situações inapropriadas — num exame oral, numa entrevista para conseguir emprego, por exemplo. Acrescentou ainda que, sendo colérico, era justificável liberar a pressão da panela soltando palavrões. Objetei que tal hábito não condiz com a boa imagem de um católico. Ele me respondeu que quase todas as pessoas gostam de ouvir palavrões e que estes até ajudam a apimentar as conversas e a fazer-se passar por simpático. O que o senhor tem a dizer a respeito?
Resposta — Na cultura popular de hoje, dizer palavrões ou usar linguagem chula é extremamente comum, tendo a vulgaridade se tornado habitual na música, no cinema, na literatura e na linguagem cotidiana, chegando-se ao extremo de moças e até mesmo senhoras soltarem palavrões. Isso à primeira vista pode não parecer pecado, sob a alegação de não se ter necessariamente a intenção de ofender a Deus ou machucar alguém e, quando o fazem, é visto apenas como fruto de uma irritação passageira e sem consequências.
Mas a realidade é mais profunda, e mais rigorosa a resposta. Se o palavrão ou a linguagem vulgar inclui de alguma maneira o nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos, isso é uma violação direta do segundo mandamento, que impõe não usar o santo nome de Deus em vão. Se no ato de xingar se ofende o próximo com nomes ou adjetivos vulgares, isso pode constituir um pecado de injúria contra o oitavo mandamento e, de qualquer maneira, vai contra o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre o respeito devido à honra do próximo (n. 2158): “Deus chama a cada um pelo seu nome. O nome de todo o homem é sagrado. O nome é a imagem da pessoa. Exige respeito, como sinal da dignidade de quem por ele se identifica”. Por fim, se o palavrão inclui cumulativamente referências impudicas a órgãos ou questões sexuais, isso entra em colisão também com o sexto mandamento, que proíbe as palavras e canções licenciosas.
Condenações nas Sagradas Escrituras
Existe ainda uma zona cinzenta de palavrões que não entram em nenhum dos três casos acima, mas que constituem uma linguagem vulgar, frequentemente relacionada com funções corporais indecorosas. A Bíblia é muito severa a esse respeito:
“O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração, e o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, porque a boca fala daquilo de que o coração está cheio” (São Lucas, 6, 45).
“Não é aquilo que entra pela boca que mancha o homem, mas aquilo que sai dele. Eis o que mancha o homem” (São Mateus 15,11).
“Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. É por tuas palavras que serás justificado ou condenado” (São Mateus 12, 36-37).
“Que as vossas conversas sejam sempre amáveis, temperadas com sal [da sabedoria], e saibais responder a cada um devidamente” (Colossenses 4, 6).
“Deixai de lado todas estas coisas: ira, animosidade, maledicência, maldade, palavras torpes da vossa boca” (Colossenses 3,8).
“Quanto à fornicação, à impureza, sob qualquer forma, ou à avareza, que disto nem se faça menção entre vós, como convém a santos. Nada de obscenidades, de conversas tolas ou levianas, porque tais coisas não convêm; em vez disso, ações de graças” (Efésios 5, 3-4).
“Teu modo de falar te dá a conhecer”
É claro que, para os palavrões constituírem pecado, é necessário que sejam proferidos com pleno conhecimento e pleno consentimento. A raiva ou um grande aborrecimento diminuem a responsabilidade moral e a gravidade da falta, porque tornam mais difícil conter o fluxo de palavras grosseiras que vêm à mente. Mas isso não ocorre se a pessoa se habituou a jamais proferir palavrões e a usar sempre uma linguagem respeitosa e elevada.
É precisamente nessas circunstâncias que se deixa ver se a pessoa recebeu uma boa educação ou melhorou a que recebeu no ambiente em que foi criado. Alguém disse que a cortesia é a liturgia da caridade e isso é muito verdadeiro, pois a pessoa polida demonstra ter preocupação pela sensibilidade das pessoas que a rodeiam. Mais ainda, como a caridade começa em casa, ela demonstra ter uma consciência clara de sua própria dignidade de católico batizado e de membro de uma família digna.
Aqueles que se habituaram a dizer palavrões devem se esforçar para corrigir esse mau hábito e procurar afinar a sua sensibilidade de maneira a se chocarem quando ouvirem músicas, diálogos de filmes ou conversas entre colegas ou amigos que empregam linguagem chula. De fato, a vulgaridade tem o efeito muito danoso de conseguir amortecer na alma das pessoas a rejeição a coisas que normalmente deveriam chocá-las.
Essa obrigação de corrigir-se é tanto maior quanto mais a pessoa estiver em contato com crianças, pois estas são propensas ao mimetismo e tendem a repetir o que ouvem dos maiores. Se o entorno acha graça, elas percebem nos sorrisos maliciosos um encorajamento para enveredar pela via da vulgaridade e da faceirice.
Aos que colocam as crianças no bordo desse precipício, aplicam-se as severas palavras de Nosso Senhor: “Se alguém fizer cair em pecado um destes pequenos que creem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar” (São Mateus 18, 6).
Uma consideração final e colateral, já não diretamente de ordem moral, mas que pode ajudar a nossa sociedade decadente a fazer um derradeiro esforço de correção da linguagem. É as pessoas tomarem consciência de que a linguagem vulgar cai bem em certos ambientes ditos “prá-frente”, mas é muito mal vista nos círculos mais cultivados e elevados de uma cidade, nos quais a elegância da apresentação e dos modos de ser ainda é um critério de avaliação das pessoas. Esses círculos poderão dizer ao “boca suja” aquilo que os criados disseram a Simão Pedro na casa de Caifás: “Teu modo de falar te dá a conhecer” (São Mateus 26, 73).
O mais importante, porém, é procurar ajustar em tudo nossas vidas ao divino modelo de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja linguagem era constituída somente de “palavras de vida eterna” (São João 6, 68). Pode-se imaginar a elevação, a seriedade e a doçura das conversas da Sagrada Família na casa de Nazaré?