São Nicolau de Flue: a espada e o rosário

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Plinio Corrêa de Oliveira

São Nicolau de Flue, o guerreiro perfeito

Lutava com uma arma na mão, um rosário na outra, tendo visões e revelações

Santo do Dia, 6 de abril de 1971

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução”, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

           Nós temos aqui uma ficha a respeito de santos militares, sobre São Nicolau de Flue, confessor. A ficha é tirada do livro do abbé Profillet “Les Saints Militaires”.

Casa natal de São Nicolau de Flue

           “Nicolau de Flue nasceu no dia 25 de março de 1417, falecendo no mesmo dia no ano de 1487”. No final da Idade Média, portanto.

           “Era natural do cantão de Untervalden, na Suíça. Filho de modestos agricultores, demostrou desde criança, aptidões invulgares de inteligência e piedade. Por isso seus pais procuraram dar-lhe uma educação um pouco melhor do que a que seria ministrada a um futuro lavrador. Nicolau sentia enorme inclinação para a vida contemplativa. Tinha visões que o convidavam a isso. Mortificava-se tão violentamente que sua mãe temeu por sua saúde e procurou orientá-lo nesse sentido.

           “É interessante que, mesmo com tal vocação, Nicolau casou-se, tendo numerosa prole e atingindo seus descendentes as mais altas dignidades do país. Casado, continuou com seu gênero de vida; levantava-se cada noite para rezar e todos os dias recitava o Saltério em honra de Nossa Senhora.

           “Aos 23 anos foi ele chamado a lutar contra o cantão de Zurique, que se rebelara contra a confederação Helvética”.

           A Suíça era dividida, já naquele tempo, como hoje em cantões. Esses cantões – ou seja, províncias, mas tão pequenas que quase poderiam ser comparadas a municípios –, nesse tempo de São Nicolau de Flue, esses cantões eram quase completamente independentes uns dos outros. Tinham uma vaga confederação e viviam numa certa luta entre si, porque a influência política dentro da Suíça era disputada pelos países vizinhos. E cada grupo de cantões – de língua francesa, alemã, italiana e romanche – era trabalhado pela potência que lhe era afim. Então, isso dava um jogo político muito intenso.

           É preciso os senhores considerarem que esse foi o século militar da Suíça. Foi nesse período que os suíços começaram a se revelar grandes militares, fornecendo tropas mercenárias para a Europa inteira, quer dizer, tropas que serviam mediante aluguel. A Guarda Suíça, que ainda serve os papas, é uma reminiscência dessa tradição. Assim a Suíça vai entrando, num período relativamente rápido, de glória militar que teve. Então esse biógrafo está explicando que São Nicolau de Flue aos 23 anos foi chamado a lutar contra o cantão de Zurique, que se rebelara contra a Confederação Helvética.

           “Quatorze anos mais tarde, ainda nessa luta, comandou como capitão, uma companhia de cem homens.

           “Nicolau, na guerra, lutava sempre tendo numa das mãos a espada e, na outra, seu rosário. Soldado de bravura invulgar, foi agraciado com a mais alta condecoração de sua terra”.

          

Os senhores podem imaginar que linda cena entrar esse homem valoroso no campo de batalha tendo em uma das mãos a espada, e com a outra segurando naturalmente o escudo e o rosário. É uma cena de guerra linda! Os senhores vejam como o ambiente que cerca os objetos de piedade, foi mudando, ao longo dos séculos, por causa da “heresia branca”. Quem, vendo hoje um rosário, dirá: “Esse objeto me lembra um guerreiro”? Pelo contrário, a maioria das pessoas dirá: “Esse objeto me lembra um homem incapaz de guerrear…” Isso de tal maneira a “heresia branca” foi mudando a fisionomia moral do católico, e a ideia do católico guerreiro foi se apagando, que o rosário parece mais o símbolo do homem incapaz de guerrear. O que é uma grave injustiça para com o rosário.

           “Ao voltar para casa, quiseram fazê-lo prefeito, mas ele não aceitou por causa da humildade de sua origem”.

           Os senhores considerem o espírito de hierarquia… que beleza! Oferecem-lhe um cargo público, mas ele declara: Não, eu sou de uma origem muito humilde, por isso não quero exercer esse cargo em respeito às pessoas de condição mais alta que há no meu cantão. Os senhores ouviram falar de um fato assim no século XX? Se algum dos senhores ouviu falar, me diga…

           Os senhores podem ver o contrário: rejeitar um indivíduo porque ele é de condição alta e preferir um de condição baixa. Quer dizer, a escala de valores se inverteu completamente.

           “Entretanto, exerceu com rara habilidade o cargo de juiz. Deixou-o após nove anos, para se dedicar exclusivamente ao cuidado de sua alma. Suas visões não o deixavam”.

           Os senhores vejam a simplicidade do fato: é um homem que foi guerreiro, candidataram-no a prefeito, depois juiz. Ele se recolhe à vida privada, vai guiar rebanhos…

           Mas isso precisa ser visto na atmosfera suíça. Os senhores têm que imaginar uma montanha lá, com aquele gado em suas encostas, aquela paisagem suíça muito bonita, ele tocando para reunir o gado aquele chifre que serve de corneta, e chamando, ao pôr do sol, todo o gado… depois rezando o Ângelus sozinho e indo com todo o gado para guarda-lo no estábulo.

           Um homem que lutou, que foi isso, aquilo, dentro das pequenas proporções de seu cantão, é claro.

           E depois que beleza isso: durante todo o tempo ele teve visões. Aqui diz: “suas visões não o deixavam”. Quer dizer, guerreiro, tinha visões; juiz, tinha visões; pastor, tinha visões também. Os senhores sabem de algum juiz contemporâneo que tenha visões? Se souberem me digam logo, para eu mandar julgar causas por ele…

           Os senhores podem imaginar que coisa linda, num tribunalzinho do lugar, está sentado o juiz Nicolau de Flue. E as pessoas estão discutindo para ele decidir uma causa. De repente, o olhar dele se torna extático, ele se ilumina, vê uma cena celeste qualquer, todo mundo para, os ódios se desarmam; quando cessa a visão, as partes estão reconciliadas. O pleito está resolvido. Se os senhores sabem de alguém assim, me avisem que eu vou correndo falar com ele! Eu nem termino o “Santo do Dia”…

           Como tudo mudou…!  

Um pastor que tem visões

           Os senhores querem uma coisa mais bonita do que um pastor ter visões nas encostas dos Alpes? Coisa maravilhosa! O gado, aquela natureza poética etc., etc., ele toca, de repente ouve um Anjo que continua seu toque… vai para os céus e o gado vai tranquilamente se recolhendo, guiado por outro Anjo. E aí está feita uma visão, numa tarde dessas feéricas, num crepúsculo, ou numa dessas auroras feéricas da Suíça, em que a neve fica rosada, azul claro, em que no céu passam todas as cores, e no meio disso um Anjo numa inocência daquela natureza…. Isso é uma coisa absolutamente superior, absolutamente!

           “Guardando o rebanho viu, certa ocasião, um lírio maravilhoso que saía de sua própria boca e elevava-se até às nuvens, mas caía sobre a terra e era devorado por um cavalo. Compreendeu, então, que a contemplação das coisas celestes em sua vida, era frequentemente absorvida pelos cuidados materiais”.

           Coisa linda! Um pastor que vê, de repente, uma haste delicadíssima e um lírio que vai até o céu. É uma coisa maravilhosa! Um lírio brilhante! Depois, cai de novo e um cavalo o come. Algo esquisito!… Eram seus pensamentos. Ele se elevava, às vezes, a considerações muito altas, mas depois as preocupações com as coisas terrenas faziam passar tais considerações. Se acontece algo assim a um dos senhores – não digo que lhes saia um lírio da boca e vá até o céu; isso nunca aconteceu a nenhum de nós – mas digo que se acontece a um de nós de às vezes ter algum pensamento muito elevado e depois se voltar para as coisas da terra, já não digo que os cavalos comam, mas os automóveis esmaguem, então seja devoto de São Nicolau de Flue, que tinha o mesmo problema; sendo que ele tinha visões… Entretanto, as coisas da terra às vezes prejudicavam a durabilidade dessas visões.

           Peçamos a graça que ele obteve com certeza nessa ocasião, que era de não vulgarizar, na vida de todos os dias, os favores celestes que recebia. É um alento para nós vermos os santos como lutaram, como tiveram as mesmas dificuldades que temos, como Nossa Senhora os socorreu maravilhosamente porque eram pessoas de oração e de amor de Deus.

           Peçamos, então, que ele se apiede também de nós, que se debruce sobre nossa fraqueza e dê estabilidade aos bons pensamentos que possam passar por nossa alma.

           “Abandonou, então, mulher e filhos e fez-se eremita”.

           Eu não sei, mas a mulher tem que ter concordado, porque senão ele não seria santo…

           “Tornou-se um extraordinário extático”.

           “Extático” é aquele que tem êxtases, quer dizer, que tem visões e que fica parado olhando a visão.

           “Por anos, alimentou-se somente da Santa Eucaristia, recebida uma vez por mês”.

           Mais nada, hein!…

           “Amado e venerado por seus concidadãos, que muitas vezes o chamaram para apaziguar rixas entre os cantões, ele sempre obteve êxito nessas missões”.

           Os senhores considerem o que era a vida política da Idade Média, já decadente…! Aqueles cantões – já disse aos srs. – tinham rixas entre si, que chegavam a dar em guerras. Nessas rixas, em que com certeza, no mais das vezes, uma das partes não tinha razão – quando não acontecia que as duas partes estavam de má fé – ambos lados, entretanto, para evitar o derramamento de sangue, vão procurar o santo. E este nunca foi mal sucedido na sua missão.

           Qual foi a missão em que a ONU foi bem-sucedida? Também, com que confiança se procura um santo, e com que mil reservas se procura a ONU? É evidente! Do que adianta um aparato jurídico, quando falta a santidade?…

           “Pouco antes de morrer, Nicolau foi atingido por dores violentas. Ah, como a morte é terrível, dizia ele. Mas exalou o último suspiro com grande calma”.

           Os senhores encontram isso em certos santos. Há uma concepção “heresia branca”, segundo a qual o santo nunca tem medo de morrer. Ele falece sempre dizendo: Ó morte, vinde a mim etc., etc… Não é verdade. Há muitos santos que morreram no terror da morte, mas Deus os sustentou e quase todos eles, no fim, tiveram uma morte calma.

           Ele também teve dores violentíssimas e dizia: “como a morte é terrível”. Mas depois a morte foi calma, e entregou a alma a Deus na tranquilidade.

           “Seus restos mortais foram depositados na igreja de Sachseln, aldeia natal do bem-aventurado. Quem a visita hoje vê, sob o altar, o esqueleto do irmão Klaus…”

           Klaus é Nicolau, em alemão.

           “…como o chamam, ornado de ouro e diamantes, trazendo ao pescoço condecorações de numerosas ordens militares”.

           Que coisa linda! Como ele foi santo e militar, as grandes Ordens militares lhe mandam condecorações com que se cobre o cadáver. De maneira que esse homem, que em vida teve apenas uma lutazinha entre os cantões, está constelado de Ordens militares… O respeito à santidade que isso significa!

           Uma coisa muito bonita aqui no Brasil: não sei se os senhores sabem, que Santo Antônio de Pádua e de Lisboa é coronel do exército brasileiro e recebe ordenado…

           “…Foram conquistadas pelos seus descendentes ao servirem outros países”.

           Ah! sim, senhores! Isso é que é bonito! Seus descendentes, ao conquistarem insígnias, mandam para o cadáver dele e o condecoram com elas. Vejam que respeito à tradição e que amor ao passado isso significa! Como a Europa está repleta de coisas dessas densas de ensinamentos. Os que negam qualquer valor à hereditariedade, levam com isso um verdadeiro soco. O herói que tira a condecoração de seu peito para honrar o santo, seu antepassado. Como quem dá a entender que é mais bonito ainda ser descendente de São Nicolau do que estar coberto de todas as honras da terra. Isso é um gesto denso, rico de significados. Europa sagrada!…

           “Um contemporâneo descreveu o beato Nicolau como um homem de estatura elevada; sua cela tinha seis pés de altura, o que era o limite extremo para ele se manter de pé”.

           Quanto será seis pés de altura? Alguém tem ideia?            (1,82m)

           Ah! Então vários dos senhores competem com São Nicolau…

           (Aparte)

           Isso é bem verdade! Os homens eram bem menores naquele tempo. Fisicamente…

São Nicolau de Flüe é o santo padroeiro da Suíça (impressão em copa 1592 de Martinus Martini no mosteiro de Einsiedeln) – Wikipedia (By Geca001 – Own work, CC BY-SA 4.0)

           “Magro, a ponto de parecer feito somente de pele e ossos, sua pele era bronzeada. À medida que foi envelhecendo, o cabelo, no alto de sua cabeça, adquiriu um tom cinza escuro. Duas mechas de barba desciam de seu queixo. Tinha os olhos negros e serenos, o olhar enérgico e penetrante. O som de sua voz era másculo, digno e imponente”.

           Que beleza! Assim deve ser um homem! Como isso é diferente de certas imagens que a gente vê em igrejas, que a gente tem a impressão de que se a imagem falasse pronunciaria um som roufenho qualquer: quam-quam-quam… voz como é a de caricatura de sacristão. Se é para ser homem, está lá!

           “Seus pés tocavam a terra, mas seu espírito parecia pairar nas regiões celestes”.

           Está feito o comentário ao longo do texto e está feito nosso preito de admiração a São Nicolau. Que ele dê a coragem, nos dias difíceis que esperam todo homem contemporâneo, de se poder caminhar para o inimigo com uma arma na mão, um rosário na outra e tendo visões e revelações. Isso é o guerreiro perfeito.

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Homem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".

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