Eleições próximas, avulta a perspectiva macabra de os eleitos serem do mesmo nível ou ainda piores que os nossos representantes atuais. A respeito dos eleitores, os analistas falam em indecisão, letargia, indiferença, rejeição, nojo. De forma congruente, chovem nas rodinhas de bar os comentários desanimados, o problema é a cultura brasileira; enquanto não mudar, e vai demorar, nada feito.
De outro modo, emperrados em pântano, cabeça confusa e pernas fracas, constatamos aterrados que o problema somos nós. Vamos distinguir, há planos nessa realidade, uns mais fundos, outros chegados à superfície.
As regiões de menor renda necessitam mais do Estado, tendem a votar em programas assistencialistas. O voto assistencialista pode ajudar e tem ajudado o populismo e o esquerdismo — especialmente por favorecer tantas vezes o estatismo e o intervencionismo — mas é apressado confundi-lo com os dois. Muitas vezes esse eleitor apresenta nas camadas mais profundas de sua personalidade preciosos depósitos conservadores.
As regiões de melhor nível econômico precisam menos do Estado, tendem a confiar mais nos instrumentos da sociedade. O foco não é o assistencialismo acima referido, é outro tipo de assistência. Propendem a exigir mais segurança para proteger a vida, os bens e as possibilidades de crescer. E odeiam a bandalheira no Estado, que drena recursos públicos, saídos do bolso do contribuinte.
Em resumo, nos dois casos, vale em primeiro lugar o interesse imediato, muitas vezes legítimo e razoável. O voto aqui, via de regra, tem baixo conteúdo ideológico.
A situação lembra a hoje célebre frase de James Garville, estrategista-mor dos democratas em 1992, “It’s the economy, stupid”, [É a economia, estúpido], dita a outros que com ele trabalhavam na campanha vitoriosa de Bill Clinton. A razão principal do triunfo de Bill Clinton seria a crise econômica. Em março de 1991, economia indo bem, 90% dos norte-americanos aprovavam George Bush. Pouco mais de um ano depois, economia em dificuldades, os eleitores elegeram Clinton.
Existe outro tipo de voto, agora com forte carga ideológica. A galáxia do que se poderia chamar esquerda católica, em boa parte de origem burguesa, formada especialmente nas organizações da Ação Católica, vota na esquerda. Foi e vem sendo longo trabalho de esquerdização da juventude, iniciado já nos anos 30. Constituem exemplos maiores de tal orientação, entre vários, Plínio de Arruda Sampaio, Franco Montoro, Paulo de Tarso. Hoje, seu mais estridente representante é frei Betto. Dali surgiu também o ex-frei Boff. Nas últimas décadas, deve-se incluir ainda como voto com forte conteúdo ideológico o oriundo das comunidades eclesiais de base, em geral de origem não burguesa.
Outro voto ideológico é de parte da burguesia letrada. Esse pessoal sai da universidade com utopias igualitárias, imagina que seus devaneios revolucionários equivalem a amor à humanidade, desejo de sociedade mais justa. A vida prática às vezes arredonda tais posições, mais pontiagudas na faculdade e nos primeiros anos de formado. Fica a toxina. É provável, encaixa-se aqui a maior parte dos políticos brasileiros, aninhados em todos os partidos. E eles têm eleitorado expressivo, além de serem tarimbados nas tretas de manipular votantes. Entre milhares saltam à memória FHC e Serra. Está aqui a grande maioria dos políticos do PT, PSOL Rede, PDT. Todo esse universo, mesmo que alguns falem em apoiar candidato de centro, quer um rumo esquerdista para o Brasil. Quando menos, seu centro tem viés de esquerda.
O conjunto acima pode facilmente empurrar o Brasil para a esquerda em 7 de outubro. E rumo esquerdista é namoro com a tragédia venezuelana ou cubana. Nunca é bom esquecer: o populismo favorece o esquerdismo; este, o comunismo.
Indispensável ainda notar a presença no quadro de uma mentalidade estatizante e intervencionista em amplas faixas do público. É um público que tem faixas inimigas da bandalheira e favorecedora da ordem pública; em tais casos, pode apoiar medidas contrárias à esquerda.
Rota diversa. Outro voto ideológico é o denominado, com muita amplitude, evangélico, em geral conservador em matéria moral. Tende a sufragar a chamada — por vezes de forma irônica, em outras até mesmo depreciativa, em outras simpática — bancada BBB, Boi, Bala, Bíblia, bancada ruralista, bancada defensora de maior segurança, bancada evangélica.
Ainda se deve ver como voto ideológico na mesma direção a crescente postura favorável à privatização, iniciativa privada, Estado menor. São agora impensáveis atitudes como a de Geraldo Alckmin em 2006 se deixando fotografar canhestra e ridiculamente com logos das estatais na jaqueta.
O quadro acima repercutirá profundamente em 7 de outubro. E, tudo o indica, também nas próximas eleições. São fenômenos por demais enraizados para acabarem da noite para o dia. Falei de realidades no curto prazo, a seguir voltarei atenções para o longo prazo.
Viremos o disco. No longo prazo, tem razão o pessoal lembrado acima, a situação da opinião pública no Brasil não muda de chofre e enquanto persistir a presente cultura, não nos assiste o direito de prognosticar dias melhores.
Entramos na parte mais importante desta matéria, que coincide com seu final. Veremos abaixo, simples assim, apenas o revigoramento do que nossa cultura tem de melhor, pode garantir futuro de grandeza cristã para o Brasil.
(Não é desvio). Amigo muito caro, hispano, olhar fino e objetivo, conhecedor do Brasil, dias atrás quis falar comigo sobre aspectos de nossa cultura. Por que lhe interessa a conversa? Entre outros motivos, percebe, quem sabe com inteira clareza, o debate do tema lhe pode aperfeiçoar a alma, aspiração nobre. Assoma aqui aspecto importante, a universalidade da cultura brasileira (de fato, de qualquer cultura, umas mais, outras menos). Compreendê-la bem, enriquece, torna mais saudável e viva a própria cultura.
(Volto). Não tratarei das várias acepções de cultura. Só de uma, sua acepção mais ampla. André Malraux tem definição à altura do gênio francês; “la culture est l’héritage de la noblesse du monde” — a cultura é a herança da nobreza do mundo. Assim, a cultura é a herança perene de tudo o que é nobre em um país. No caso nosso, é cultura brasileira todo o acervo do que foi nobre no Brasil. Compete a nós preservá-lo, aperfeiçoá-lo, reclama aprimoramentos de alto a baixo em todas as condições sociais.
A narrativa ganhará luz caso, a respeito do conceito de cultura, contemplarmos palavras faiscantes do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em conferência de 13 de novembro de 1954 no Seminário Central de São Leopoldo:
“No âmago da noção de aprimoramento, está a ideia de que todo homem tem em seu espírito qualidades susceptíveis de desenvolvimento e defeitos passíveis de repressão. Significa crescimento do que é bom, poda do que é mau. A reflexão é o primeiro dos meios dessa ação positiva. Contudo, a mera reflexão não basta. O homem não é puro espírito. Por uma afinidade que não é apenas convencional, existe um nexo entre as realidades superiores que ele considera com a inteligência, e as cores, os sons, as formas, os perfumes que atinge pelos sentidos. O esforço cultural só é completo quando o homem embebe todo o seu ser, por estas vias sensíveis, dos valores que sua inteligência considerou. O canto, a poesia, a arte têm exatamente este fim. E é por um acurado e superior convívio com o belo, que a alma se embebe inteiramente da verdade e do bem”.
Continua Plinio Corrêa de Oliveira: “É bem de ver que a cultura, assim conceituada, deve ser nutrida pela seiva doutrinária da Religião verdadeira. Só da atmosfera espiritual criada pelo convívio de almas profundamente católicas pode nascer a cultura perfeita”.
Falei de realidades imediatas, depois elevei o olhar, tratei a questão sob o prisma do longo prazo. Acabou o espaço, não dá para entrar em características da cultura brasileira. Ficam para outro dia. O título do artigo poderia ser: Sem cultura autêntica, nada feito. Ou, mais preciso: Sem cultura verdadeira, pouca coisa a fazer.