Sobre a reforma do Código Penal

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Com o intuito de fornecer subsídios doutrinários para bem julgar a reforma do Código Penal brasileiro, ora em curso tramitando no Senado, transcrevemos a opinião de Paulo Vasconcelos Jacobina, Procurador Regional da República divulgada pela agência de notícias Zenit que consideramos pertinente.

Apenas não concordamos na parte em que ele opina que “a intenção iluminista” “de estender aos cidadãos a dignidade antes reservadas aos reis e Nobres aristocratas” fosse “justíssima”. Pois  a intenção verdadeira e profunda do Iluminismo era a propagação da igualdade injusta e contra a ordem estabelecida por Deus de uma desigualdade proporcionada e harmônica entre as classes sociais.

Certamente nossos leitores julgarão muito proveitosa sua leitura.

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Um projeto de Código Penal para escravos

Por Paulo Vasconcelos Jacobina, Procurador Regional da República

BRASILIA, terça-feira, 21 de agosto de 2012 (ZENIT.org) – A doutrina mais moderna, no âmbito da ciência do direito penal, considera que uma importante característica do direito penal, nas sociedades contemporâneas, é o chamado “caráter subsidiário do direito penal”; é certo que esta doutrina ainda é bastante debatida, e está longe de ser cristalizada, mas certamente consubstancia uma discussão científica fundamental no âmbito jurídico do penalismo contemporâneo. Ela ensina sobre a relação entre a lei penal e os valores de uma sociedade. Ou seja, o direito penal só deve transformar em crime as condutas que ofendam os valores mais essenciais, mais elevados, de uma sociedade, deixando a outras instâncias a proteção de valores menos importantes.

Diz um Manual de Direito Penal em uso corrente em nossas universidades: “É que o direito penal seleciona e tipifica condutas atendendo à relevância do bem jurídico, e segundo a intensidade da lesão de que se trate, outorgando-lhes uma proteção relativa. Portanto, não se protegem todos os bens jurídicos, mas só os mais importantes, nem sequer os protege em face de qualquer classe de atentados, mas tão só em face dos ataques mais intoleráveis.” (Queiroz, Paulo. Direito Penal, parte geral. 4ª Edição revista e ampliada. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008. Pág. 33, grifo nosso).

Não seria injusto dizer, portanto, que, no âmbito da ciência penal jurídica, para descobrir quais são os valores mais importantes de uma determinada sociedade num determinado momento histórico, bem como quais são as condutas contra tais valores que tal sociedade considera intoleráveis, devemos simplesmente examinar o direito penal desta mesma sociedade.

Falamos concretamente do projeto de código penal ora em tramitação no Congresso Nacional. Este projeto, em curtas linhas, torna lícito o aborto sob o simples pretexto da “imaturidade psicológica” da genitora, ou torna justificável a eutanásia sob o pretexto da “compaixão” ou da “misericórdia”, torna a homossexualidade uma causa de sobrevalorização da vida em caso de homicídio e libera amplamente o consumo de drogas psicotrópicas causadores de dependência. Trata-se, agora, de fazer uma leitura deste projeto à luz do princípio da “subsidiariedade do direito penal”, para ver qual sociedade ele quer espelhar, quais valores sociais ele considera como extremamente preciosos e quais condutas ele considera intoleráveis numa sociedade em que ele fosse o direito vigente.

Assim, poderíamos razoavelmente afirmar que uma sociedade que tem uma legislação penal assim não considera que a vida humana seja um dos seus “bens jurídicos mais importantes”, nem que os atentados a ela em nome do “conforto psicológico” dos genitores do nascituro, ou da “compaixão” ou “misericórdia” dos herdeiros de um moribundo que resolvem apressar seu falecimento seja um “ataque intolerável”, ao contrário. Estas, na verdade, seriam condutas socialmente esperadas, socialmente valorizadas, caso tal projeto seja aprovado. Tampouco pode-se considerar a higidez mental e a capacidade de levar uma vida produtiva e colaboradora como um valor mais relevante, em tal sociedade, do que o uso indiscriminado e hedonista de drogas psicotrópicas e incapacitadoras.

A primeira impressão é a de que uma certa “liberdade individual”, com uma dose de libertarianismo anárquico, são considerados tão ou mais valiosos que a vida, a convivência ou a saúde mental.

Há uma meditação sobre a essência deste “individualismo” feita pelo filósofo francês Alain Renaut, que se aplica perfeitamente à visão de homem que está sendo trazida por este projeto. Para este autor, um individualismo assim ferrenho seria considerado, na filosofia grega clássica, como um verdadeiro “direito de escravos”.

Diz Renaut: “Na medida em que o cosmo é, por si só, uma ordem, a liberdade do homem não está ligada à contingência, mas, ao contrário, lhe é oposta. Disso é testemunha de forma particularmente surpreendente, a espantosa reflexão em que Aristóteles compara o universo a uma casa, os homens livres representando os astros, porque ‘lhes é menos lícito agir ao acaso‘ e porque todas as suas ações – ou pelo menos sua maioria – são regradas; e, ao contrário, ‘os escravos e os animais’, cujas ações raramente são ordenadas para o bem do conjunto, sendo na maioria das vezes deixadas ao acaso, simbolizando as partes inferiores – sublunares – do universo. (Metafísica de Aristóteles).

Assim, conclui Renaut, ‘são pois os escravos que são ‘livres’ no sentido ‘moderno’ da palavra, porque não sabem o que fazem, ao passo que a liberdade do homem grego e sua perfeição são medidas de acordo com a determinação maior ou menor de suas ações”. (Renaut, Alain. O Indivíduo. São Paulo, Bertrand do Brasil, 1999).

Vale dizer, a ação dos escravos, para os gregos antigos, poderia ser irracional, contingente, autodestrutiva, imprevisível e indiferente, e os seus donos poderiam deixá-los à mercê dos próprios impulsos. Mas os homens livres, não. Cabe-lhes construir, conjuntamente, uma sociedade de iguais em dignidade, de conviventes.

Esta é, mutatis mutandis, a diferença entre o tratamento que damos, em nossas casas, aos nossos bichos, por um lado, ou aos nossos filhos, por outro. Aos bichos, castramos, acorrentamos, selecionamos parceiros, eliminamos proles indesejáveis, esterilizamos e sacrificamos. Aos filhos, educamos e cuidamos, protegendo-os mesmo de determinadas inclinações que, mesmo aparentemente agradáveis, como a TV ou o videogame em excesso, não colaborarão, no entanto, com o seu próprio crescimento pessoal.

Não se constrói uma sociedade democraticamente viável estabelecendo uma axiologia assim, em que a vida e a liberdade do povo é contingente com relação aos impulsos de bem-estar dos indivíduos. Esta é a forma de cuidar de rebanhos, não de democracias.

O curioso é que a história viu inúmeras revoluções fundadas na intenção iluminista, justíssima aliás, de estender aos cidadãos a dignidade antes reservadas aos Reis e Nobres aristocratas. Ninguém jamais fez uma revolução sob o pretexto de pleitear a redução da própria condição social à de um escravo. E não se conhece, na história da humanidade, um só rei ou imperador que tenha submetido a si ou à sua família à esterilização em massa, ao aborto dos próprios descendentes, ao incentivo ao uso de estupefacientes pelos seus príncipes e princesas ou à eliminação programada dos aristocratas idosos ou moribundos. Eles sempre fizeram isso com os outros, o povinho deserdado dos súditos, que era objeto de sua ação legislativa, e não sujeito do próprio destino.

Trago à lembrança a escravidão da qual a pena de ouro da Princesa Isabel nos livrou, no final do século XIX. Imagino que se a Princesa Isabel vivesse hoje, e resolvesse se compadecer dos nascituros como um dia se compadecera dos afrodescendentes, certamente ouviria uma certa “vanguarda” dizer-lhe agressivamente, com a melhor das consciências: “você é livre para não abortar seus próprios filhos, se não quiser. Mas não pode se meter na ‘liberdade’ das outras mulheres de abortá-los. Quem é você para pretender saber o que é melhor para eles ou para mim?”. É melhor nem imaginar qual seria o resultado da aplicação de uma axiologia assim nos idos de 1888.

* Paulo Vasconcelos Jacobina é Procurador Regional da República e Mestre em Direito Econômico

Permalink: http://www.zenit.org/article-31094?l=portuguese

4 COMENTÁRIOS

  1. Bem.

    Sou a favor da vida e contra o aborto, assim como também sou um DEMOCRATA!
    Logo, se o autor do preâmbulo desta postagem entende que existe uma ordem ‘estabelecida’ por Deus quanto a uma desigualdade proporcionada e harmônica entre as classes sociais, devo rechaçar esta assertiva pontificando que Reis e monarcas são forjados por conjunturas politicas oligárquicas e não por Deus, logo os mesmos não refletem o desejo popular.

    São déspotas e tiranos.

    Um líder e chefe de Estado deve ser consagrado pelo seu POVO através do voto direto, limitado a um MANDATO e não uma vitaliciedade!

    Sustentar perspectivas monarquistas mascaradas no ‘conservadorismo’ é algo que a nossa civilização ocidental, que não é comunista em sua maioria, jamais irá aderir.

    A população brasileira é conservadora sim no que tange princípios e valores (Casamento, Deus e Família), porém não é conservadora em se tratando de regimes de governos que privilegiaram ao longo da história uma elite nobre e clériga.

    Isso é um fato!

    E assim como não irá trocar um presidente eleito, por um déspota comunista, jamais irá abdicar da DEMOCRACIA em favor de um Monarca.

    Vocês deste instituto ao flertarem com a perspectiva monárquica, só estão dando aos comunistas e relativistas culturais o mote politico (pré-texto) ideal para que eles assumam ante as massas a posição de arautos da ‘liberdade’ pregando DEMOCRACIA FALSAMENTE, pois a população, que deseja democracia e não tirania (seja ela qual for), facilmente será cooptada pelo discurso fácil de ‘liberdade’ dos comunistas, como vimos no caso da ditadura militar em combate com os movimentos terroristas da época.

    Os canalhas esquerdopatas saíram na história como ‘heróis’!

    A intenção de vocês contra o aborto é de interesse da maioria da população, porém não se iludam achando que democratas intelectuais e a plebe (nesta eu me incluo) irão aderir a tudo o que vocês deste instituto defendem.

    Aborto somos contra!

    Monarquia também somos CONTRA!

    Tirania é tirania.

    Um poder que não pode ser questionado, pois é a expressão da ‘vontade de Deus’ é também nocivo a população e corrupto tanto quanto um poder de um tirano comunista, que se acha também um ‘iluminado’ na terra para governar o povo, pois entende saber o que é melhor para os homens.

    Não trocaremos seis por meia dúzia.

    Na essência, uma ditadura comunista e um regime monárquico possui a mesma fundamentação ideológica como fator de motivação.

    Ambos acham-se sujeitos superiores ao resto dos homens, por isso entendem que possuem o ‘direito natural’ de governa-los, independentemente da vontade popular.

    Abaixo a tirania comunista!

    Abaixo a tirania monarquista!

    Viva a democracia, o Estado de Direito e a família!

    Belém-PA, 30 de Agosto de 2012

    Marcello Santos Chaves
    Conservador

  2. Blog Salvai Almas :

    Rezemos por estes infelizes que querem aprovar a lei da morte no Brasil. Não só da morte (aborto, eutanásia e liberação do uso de drogas atualmente ilícitas), mas da imoralidade também (sobre o homossexualismo).
    Dobremos nossos joelhos em oração, pois grande será a prestação de contas destes cidadãos perante Deus. Ao foto eterno, caso não se arrependam e se retratem a tempo.

    @Blog Salvai Almas

  3. Decidem quem e como vão matar e as pessoas que acham um feto é um “aglomerado” de células como já li tais opiniões respondo:Já não foram um dia um “aglomerado” de células também?A essas pessoas só tenho uma triste,ou talvez boa notícia(dependendo do ponto de vista de cada um),um dia todos nós chegaremos diante de nosso justo juiz, NOSSO SENHOR JESUS CRISTO que nos disse:Não matarás! Não encontrei em lugar algum que já li outras palavras complementando essas,ou abrindo exceções, simples e muito claro:NÃO MATARÁS.Nosso justíssimo juiz nos perguntará,o que fizemos pelo nosso próximo, mesmo que esse próximo fosse no início de sua vida um “aglomerado” de células que um dia se tornaria um lindo bebê e mais tarde um ser humano, com seus defeitos e qualidades,afinal perfeito só nosso CRIADOR, se tivermos uma justificativa que nos absorva do crime de assassinato (o que é impossível visto que já teremos morrido) será só esse nosso crime? É este um momento sem volta que não vale recorrer como aqui na “justiça” da terra só dependeremos da misericórdia de DEUS para nos livrar do fogo eterno, a que nós mesmo nos condenamos.Refletir, antes de ser a favor do GENOCÍDIO SILENCIOSO DOS INOCENTES CUJO GRITO ALCANÇA A DEUS, é bem mais coerente.

  4. Rezemos por estes infelizes que querem aprovar a lei da morte no Brasil. Não só da morte (aborto, eutanásia e liberação do uso de drogas atualmente ilícitas), mas da imoralidade também (sobre o homossexualismo).
    Dobremos nossos joelhos em oração, pois grande será a prestação de contas destes cidadãos perante Deus. Ao foto eterno, caso não se arrependam e se retratem a tempo.

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