Nesse Post veremos argumentos teológicos sobre o papel de Maria na santificação das almas. Convido o leitor a leitura calma e refletida para que os fundamentos doutrinários de nossa devoção a Nossa Senhora fiquem bem aprofundados em nossas almas. Deus nos deu inteligência, vontade e sensibilidade; nesse artigo temos um apelo especial à compreensão da matéria (inteligência) e o consequente amor que é um ato da vontade. É a casa construída sobre a rocha, de que nos fala o Evangelho.
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“SEGUNDO PRINCÍPIO: Deus quer servir-se de Maria na santificação das almas
Vimos até aqui o que diz São Luís Grignion da cooperação de Nossa Senhora na Encarnação do Verbo. Ele analisa as três qualidades d’Ela – Filha do Padre Eterno, Mãe do Filho de Deus e Esposa do Espírito Santo – e mostra quais as relações que, em face dessas três qualidades, Ela teve com a Santíssima Trindade na Encarnação do Verbo. E conclui demonstrando que essas relações não foram tão-somente muito íntimas, profundamente íntimas, mas foram as mais íntimas das relações, como aliás é fácil conceber.
Pressupostos que demonstram a importância fundamental da ação de Nossa Senhora na salvação das almas
São Luís Grignion passa então a um segundo princípio, cuja demonstração pede três pressupostos:
a) Nossa Senhora teve uma participação imensamente íntima, sumamente íntima, na Encarnação do Verbo;
b) É verdade comum da doutrina católica, e geralmente aceita, que a ação de gerar o Redentor Nosso Senhor Jesus Cristo, e a de gerar as almas para a vida da graça, são duas ações que não podem ser consideradas separadamente.
A razão, segundo a doutrina católica, está em que Nossa Senhora, sendo Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a cabeça do Corpo Místico, é também Mãe do Corpo Místico de Cristo, pois quem gera a cabeça gera todo o corpo. Sendo Mãe de Cristo, cabeça do Corpo Místico, Nossa Senhora é necessariamente a Mãe do Corpo Místico. Não apenas num sentido figurado ou analógico, Nossa Senhora é Mãe da Igreja Católica. Ela o é no sentido próprio da palavra, e não somente por ter para conosco certas relações e certo sentimento de maternidade, mais ou menos por uma relação proporcionada, como um tio pode chamar a um sobrinho de “meu filho”. Sendo Ela Mãe da Cabeça, Ela o é de todo o Corpo Místico de Cristo. Sendo Mãe da Cabeça, Ela o é de todos os membros.
Pode-se compreender isto, mesmo deixando de lado qualquer outra consideração. O Corpo Místico de Cristo nasceu da Redenção. Ora, tendo Nossa Senhora gerado o Redentor, compreende-se facilmente qual a íntima relação d’Ela com a Redenção, porque Ela é a geradora d’Aquele que é o próprio artífice da Redenção, d’Aquele que é o próprio Redentor. A sua relação com a Redenção está, pois, dentro da linha da maternidade, o que Lhe atribui a maternidade sobre todos aqueles que foram gerados para a vida da graça.
c) Por outro lado, pela própria natureza das coisas, a conversão de uma pessoa equivale a ser gerado Nosso Senhor Jesus Cristo nela, em tornar-se ela membro do Corpo Místico de Cristo, um cristão. Nestas condições, trabalhar pela extensão da obra da Redenção é trabalhar pelo nascimento de Jesus Cristo nas almas. A conversão de uma alma e a geração de Nosso Senhor Jesus Cristo são operações conexas.
Deus gerou Jesus Cristo em Nossa Senhora. Tendo Ela concebido por obra de Deus, sendo Ela a Mãe de Deus, esta maternidade é perene, porque as coisas que Deus faz são definitivas. Tendo Ele, pois, dado a Ela esta qualidade, tendo Ele feito esta operação n’Ela e por meio d’Ela, Ele Se mantém nesta relação a título definitivo. Portanto, a geração das almas pela graça é feita n’Ela e por meio d’Ela, posto que as obras de Deus são definitivas.
Compreenderemos isso melhor imaginando que, por absurdo, Deus degradasse Nossa Senhora, fazendo que uma obra dessa natureza se passasse fora d’Ela, apesar de estar Ela ligada com a maternidade. Essa hipótese só seria possível se Ela deixasse de merecer. Nós sabemos, porém, que em sua vida terrena estava Ela confirmada em graça, e que jamais deixou de merecer essa qualidade; e agora, que está no Céu, Ela também não deixará de merecer a mesma qualidade. Portanto, esta relação está estabelecida a título definitivo.
Desses três pressupostos, tira São Luís Grignion uma conclusão: a ação de Nossa Senhora na salvação das almas é tão importante quanto o foi na Encarnação. Assim como foi primordial o papel d’Ela na Encarnação do Verbo, assim também é de suma e essencial importância na salvação das almas.
Aplicação desse princípio às relações de Nossa Senhora com a Santíssima Trindade
Estabelecido esse conceito geral, São Luís Grignion faz aplicações às relações de Nossa Senhora com as três Pessoas da Santíssima Trindade. Diz ele:
a) Assim como há na ordem natural um pai e uma mãe, para a geração sobrenatural há necessidade de um pai, Deus, e de uma Mãe, Maria. Por isso não tem a Deus por Pai quem não tem Maria por Mãe.
O Padre Eterno quis, em Nossa Senhora, gerar para Si um filho, que é Nosso Senhor Jesus Cristo. E os novos filhos que tem, segundo a graça, Ele também quer gerá-los em Nossa Senhora. Desta maneira, até à consumação dos séculos, os filhos de Deus serão gerados em Nossa Senhora. Assim como a geração natural supõe um pai e uma mãe – pois sem pai e mãe não pode haver geração – assim também há na geração sobrenatural um Pai, que é Deus, e uma Mãe, que é Maria Santíssima.
E São Luís Grignion tira daí uma aplicação muito importante: “Não tem Deus por Pai, quem não tiver Maria por Mãe” (tópico 30). Esta a razão por que os hereges e os cismáticos não gostam de Nossa Senhora; não querem ter Nossa Senhora por Mãe, e por isso não têm a Deus por Pai. É um sinal certo de se ter bom ou mau espírito o ter-se maior ou menor propensão à devoção a Maria Santíssima.
b) Assim como o Verbo quis formar-se em Nossa Senhora para Sua vida terrena, assim também quer fazê-lo para nascer em cada um de nós. “O desejo de Deus Filho é formar-se e, por assim dizer, encarnar-se todos os dias, por meio de Sua Mãe, em Seus membros” (tópico 31). Assim como Ele quis formar-Se e encarnar-Se em Nossa Senhora para Sua vida terrena, assim quer Ele formar-Se, encarnar-Se em Nossa Senhora para nascer em cada um de nós.
c) Sendo Maria esposa do Espírito Santo, somente produz Seu fruto, que é Nosso Senhor, nas almas onde Ele A encontra. O Espírito Santo é realmente o esposo indissolúvel de Maria Santíssima. Dada a indissolubilidade deste vínculo, numa alma onde o Espírito Santo encontra a devoção a Nossa Senhora, Ele aí pára, acorre e produz o Seu fruto, fazendo nascer Jesus Cristo. Se, numa determinada alma, Ele não encontra Maria, não encontra a devoção a Ela, ali não produz o Seu fruto, que é Nosso Senhor.”