Como pai e mãe educam os filhos? Começo por um dos fundamentos, o que interessa no caso. A preparação para a vida entre os homens apresenta marcantes traços comuns com o modo de, por exemplo, a onça e outros animais prepararem os filhotes para a sobrevivência. Pela imitação, lei da natureza; outro jeito, pela força do exemplo. Gradualmente, ensina-os a se defender dos perigos, a caçar, a procurar abrigos. E o homem é mamífero, guiado pela razão.
De igual maneira, enorme papel tem a imitação na educação infantil. Forma o caráter o bom exemplo dos superiores, no caso, os mais naturais e imediatos, os pais. No ambiente da família, o filho em especial imita o pai, a filha em particular a mãe, ambos movidos fortemente pela admiração. Nada mais normal que, aperfeiçoando a imitação, buscando padrões de comportamento, o filho idealize os pais, para ele causa, modelos, mestres e regentes. E assim tantas vezes, para bem formar o filho, pais e mães ocultam vícios e má conduta — exemplo corrente, os fumantes. Se não são, pelo menos precisam ser visto como sendo modelos. A educação pela imitação admirativa repercute desde a mais tenra infância até a extrema ancianidade. Qualquer desarranjo em tal processo traumatiza, deixa sequelas vida afora. Depois na educação temos os ambientes familiares, sociais, rodas de amigos, a escola. E então se avulta o papel do professor.
Mas não pretendo falar de pedagogia do infante. Meu assunto é outro, governo — pedagogia adulta. Sei, uma tem relação com a outra. Vamos lá. O Estado existe para a promoção do bem comum (o bonum commune da Escolástica). João XXIII na “Pacem in Terris” lembrou esta verdade, hoje tão esquecida, em palavras precisas: “[A] realização do bem comum constitui a própria razão de ser dos poderes públicos”. Emerge a pergunta: o que é o bem comum? Volto a João XXIII: “o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.
Destaco o enunciado “desenvolvimento integral da personalidade humana”. Integral. Para tal crescimento, contam fatores materiais, contam sobretudo fatores morais. E aqui entra o papel de formador do governante. Na mais funda raiz, a obrigação do decoro, bem como a chamada liturgia do cargo e a sujeição ao cerimonial se assentam na contribuição ao bem comum advinda do bom exemplo do governante. Em decorrência, a lesão ao bem comum que seu mau exemplo acarreta. E a congruência da punição a tal conduta. Expressão de tal verdade temos no artigo 9º da lei 1079 de 10/4/1950 que tipifica como crime de responsabilidade “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. O que pode levar à perda do cargo.
Na vida de uma nação todo esse edifício se apoia na noção idônea de bem comum. A ideia de bem comum sem simplismos, rica, multifacetada, abarcando toda a realidade, que incorpora com discernimento os fatores morais, intelectuais, psicológicos e materiais é pressuposto da democracia autêntica, da saudável participação popular, do governo realmente voltado para os interesses populares e nacionais. Sem tal concepção, tornam-se desnaturadas as noções de democracia, participação e governo; funcionam mal as instituições e se escancaram as portas para a demagogia.
Fato ilustrativo, em 25 de agosto de 1928 o presidente Washington Luís [foto ao lado] inaugurou a Rio-Petrópolis, a primeira rodovia asfaltada no Brasil, e na ocasião pronunciou frase que se tornou célebre: “Governar é abrir estradas”. Parece, nem ele julgava que governar se reduz essencialmente a abrir estradas. Mas a afirmação simplista ficou no anedotário político. Exagerando, puxando a corda para o outro lado se poderia dizer: “Governar é dar bom exemplo”. Nem um, nem outro. Governar é promover o bem comum, simples assim, fazer estradas e dar bom exemplo forma parte do todo.
Também a ideia correta de representatividade tem relação com o bem comum. A promoção do bem comum supõe via de regra que a nação se faça representar pelo que tem de mais expressivo. É parte da exemplaridade própria às funções públicas — probidade, decoro, brilho. Nunca ali deveria estadear o extravagante, excêntrico e estapafúrdio. No Brasil, cada vez mais, pecamos aqui, todos sabem.
Por que tratei hoje do tema? As reflexões brotaram ao ler entrevista recente de Dom Rafael de Orleans e Bragança e ali o príncipe dizia: “Fomos ensinados desde pequenos a ser vistos como exemplos”. Amplio o tema na mesma direção e fecho com episódio talvez um tanto legendário, ligado ao que se poderia chamar com alguma liberdade o bem comum das almas (a salus animarum). São Francisco de Assis [quadro ao lado] certa vez convidou um jovem do convento para acompanhá-lo em pregação. Caminharam em conversa animada até o povoado. Percorreram as ruas, cumprimentaram pessoas, uma prosinha aqui e ali; para os transeuntes ensinamento vivo de simplicidade, desapego e espírito sobrenatural. Na tardinha retornaram à residência. O moço recordou a São Francisco, haviam esquecido a pregação. Respondeu o santo mais ou menos assim: “Enquanto andávamos, era uma pregação o que fazíamos. Nossas vestes, nosso porte, revelavam que servíamos a Deus. Pregamos sermão mais tocante do que se tivéssemos falado na praça, exortando o povo à santidade”.
Verba movent, exempla trahunt (Palavras comovem, exemplos arrastam). Faz muita falta o arrastão do bom exemplo. Ajudaria o bem comum, facilitaria o apostolado.