Reproduzimos hoje a circular de propaganda de um candidato a deputado à Assembléia Geral ( equivalente, como função constitucional, à atual Câmara dos Deputados ), nos últimos meses da monarquia.
O signatário, Dr. Delfino Pinheiro de Ulhôa Cintra, exerceu esse mandato em várias legislaturas e foi Presidente da Província de Santa Catarina.
Nesse documento, mostra-se ele partidário da monarquia e da descentralização, mas contrário ao sistema federativo. Não são propriamente suas idéias políticas que desejamos comentar, mas o aspecto “ambientes, costumes”, da circular que o candidato enviou aos numerosos chefes eleitorais de suas relações. Como gostava de ser tratado, há setenta anos atrás, um eleitor brasileiro? Qual o perfil moral que ele exigia de um homem público para lhe dar sua simpatia, sua confiança, seu voto? É o que se pode notar nessa circular, redigida e impressa segundo os estilos correntes na época.
O tratamento é respeitoso. O destinatário tem seu nome precedido da fórmula “Illm. Snr.”. O candidato, em linguagem elevada e cortês, declara que “vem solicitar de V. S. o apoio de seu voto e merecida influência”. E “espera confiadamente” que o destinatário continuará a distingui-lo com sua confiança política”, a exemplo de eleições anteriores em que já lhe deu seu “benévolo apoio”. E por fim se subscreve: “De V. S., Atto. Amgo. e affectuoso servo”.
Fórmulas, fórmulas comuns, usuais, por assim dizer moeda corrente do trato social na época. Mas moeda em que estavam cunhados, como símbolos, os estilos de muitos séculos de civilização cristã, inspirados no respeito e no amor recíprocos. Fórmulas, por isto mesmo, que tinham um papel no trato humano, e cuja ausência causaria estranheza.
Qual o argumento dado pelo candidato para merecer sufrágios? Suas idéias. E nenhum outro. Não alega que é campeão de qualquer coisa, que toca bumbo, que sabe montar a cavalo com a frente para a garupa, nem que é ventríloquo. Propõe um programa, com concisão, simplicidade e elevação de linguagem. Se estão de acordo, votem nele. Se não, votem em outro.
E nisto tudo se retrata não só o candidato, mas o eleitor, e todo o ambiente político brasileiro de então.
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Votem em Pedro para deputado federal, lê-se num cartaz preso a uma árvore. Na mesma galharia, a poucos centímetros, uma faixa nos recomenda votar em João. Em frente, suspenso a dois postes, balança ao vento outro cartaz ainda, mandando que se vote em Francisco. João é do P.X. Pedro é do P.Y. Francisco é do P.Z. Que diferença há entre os três candidatos? E entre os três partidos? Ninguém sabe. Nem eles próprios. O que fará triunfar a candidatura de um sobre a dos outros? Em boa parte, o número e o tamanho dos cartazes. Muitos candidatos não têm outro argumento. E muitos eleitores nem desejam mais que isto. “Tempora mutantur…”
Às vezes, algum argumento sério entra em cena: impressiona pouco. A gravidade, a nobre e digna compostura de outros tempos, a lógica, são fatores eleitorais pouco eficientes, às vezes até contraproducentes.
Pelo contrario, ser demagogo populacheiro, saber dizer piadas em comício, alegar títulos profissionais que não habilitam para o trato das coisas públicas, como tocador de violão, locutor de rádio, ou campeão de qualquer coisa ( que não seja jogo de xadrez, grave, sisudo, sem graça ), eis algo de eleitoralmente útil. Em suma, uma certa nota de circo é muitas vezes o ideal. Se isto tudo ainda não é inteiramente assim, já é assim em boa medida. E tende a ser cada vez mais assim, sobretudo nos grandes centros.
Disto o outro clichê nos dá uma idéia muito nítida. É um folheto distribuído aos milhares, em São Paulo, em eleição anterior. Alteramos apenas os nomes dos candidatos. O comício deve assegurar-lhes a vitória, por causa dos artistas com que divertirão os eleitores…
A tanto vamos descendo, ao influxo da mania de facilitar, relaxar, nivelar, e fazer da vida um imenso e desatado divertimento.
Os romanos da decadência se contentavam com pão e circo. Os brasileiros vão sendo adestrados para o mesmo programa. Mas com uma variante: cada vez menos pão e mais circo.
- Publicado originalmente na revista “Catolicismo” Nº 94 – Outubro de 1958, na seção Ambientes, Costumes e Civilizações.
http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0094/P06-07.html
http://www.pliniocorreadeoliveira.info/ACC_1958_094_Cada_vez_menos_pao.htm#.Wf5DR2hSzIU