Ventilo hoje tema pouco presente na imprensa diária, ainda que sobeje em publicações especializadas. Árido para alguns, reconheço, tem enorme importância; faz parte da agenda de movimentos que resistem com discernimento ao avanço da revolução. Afirmam eles com razão, reagem ao que denominam marxismo cultural. E, congruentemente, denunciam ações coordenadas em âmbito mundial visando a expansão demolidora das teses e dos objetivos do marxismo cultural. Um motivo a mais, me tem sido pedido, escreva sobre o marxismo cultural. Vamos a ele, poucos esclarecimentos, por cima, o espaço é pequeno e também a paciência do leitor.
Para o começo, lembro conceitos fundamentais, meio rebarbativos. O marxismo é evolucionista, determinista e materialista. Pela teoria marxista, na base de tudo está a matéria que não é inerte; move-se segundo leis internas de substância hegeliana — em resumo, tese-antítese-síntese. Estamos em presença de dogma delirante, mas é o materialismo dialético. Na vida dos homens, também eles pura matéria, reflete-se tal realidade, e temos então o materialismo histórico. Os homens evoluiriam segundo as mesmas leis — tese-antítese-síntese. Uma situação cria outra que lhe é oposta. Do choque das duas nasce uma terceira, a síntese que, por sua vez, transforma-se em tese. E assim vai.
Segundo o marxismo, o determinante na história é a economia. E na economia os meios de produção, soma de meios de trabalho e objetos de trabalho. Os meios de produção estão na base das relações de produção. As forças produtivas e as relações de produção dariam origem aos modos de produção. Existem sete modos de produção: primitivo, asiático, escravagista, feudal, capitalista, socialista e comunista. Um leva ao outro. Temos aqui a infraestrutura. A superestrutura são as ideias e instituições (entre elas, o Estado) que justificariam e garantiriam os modos de produção. O socialismo nasceria apenas depois de a sociedade capitalista estar bem desenvolvida. Por sua vez, o comunismo só depois do desenvolvimento do socialismo.
Para o momento, o importante é o determinismo da doutrina marxista. Em doutrina, por ser determinista, desvaloriza o ato volitivo e relativiza por inteiro o bom, o mau, o belo, o feio, o justo e o injusto, colocados na superestrutura, dependentes das relações de produção. Até a ação política e o proselitismo.
Na prática, os partidos comunistas nunca agiram segundo a pura doutrina marxista. Não foram deterministas, esperavam da ação partidária a aceleração do dia em que surgisse o homem novo sonhado pela utopia. Aqui convém lembrar a contribuição de Lênin, que trouxe para a doutrina um jacobinismo inexistente em Marx, o que gerou o denominado marxismo-leninismo, presença esmagadora em todo o século XX. Muito resumidamente, o leninismo colocou ênfase na conquista do Estado. Com o Estado nas mãos, criar a economia nova, a sociedade nova, o homem novo.
Desde os anos 20 existiu muita discussão no interior dos movimentos comunistas sobre as condições necessárias para se criar o homem comunista. E então, conveniência ou inconveniência de várias táticas. Ou, por outro modo, como ir até o horizonte utópico que os alicia, comunidades ateias, libertárias e coletivistas (o comunismo total).
Aqui recordo Antônio Gramsci (1891-1937) [foto ao lado] e a Escola de Frankfurt, expoentes desse, digamos, revisionismo marxista. Gramsci pôs especial acento em obter a hegemonia na sociedade civil antes de tentar dominar o Estado e para tal procurou indicar métodos para agir dentro dela. Os teóricos da Escola de Frankfurt estudaram em particular fenômenos sociais e neles apontaram características que impediam a chegada do homem comunista. Todas essas novas teorias diminuíram a hegemonia do fato econômico, tiraram da cena o determinismo, ou pelo menos o mitigaram bastante. O campo de estudo se ampliou enormemente com a valorização de fenômenos da personalidade e da sociedade humanas, interpretados com instrumental não-econômico.
Dessa forma, o marxismo cultural traz para o centro do palco, entre outros assuntos, a arte, costumes, hábitos, convicções, mentalidade, vida quotidiana, entretenimento, modas. Tudo isso englobado por uma palavra, cultura. Já se pode perceber, são temas relacionados com a revolução cultural, caminham um ao lado do outro.
É novo? Em termos. Para muitos integrantes de correntes revolucionárias, certamente. Contudo, ao longo da história, os partidos comunistas e as organizações afins sempre promoveram encarniçada luta cultural. E, nesse sentido, não é novo; pode haver, quando muito, ênfase nova em maneiras de agir.
Aliás, sugerida pela situação de impasse num campo em que se encontram as forças revolucionárias. As sociedades ocidentais estão se revelando reativas quanto ao coletivismo. Não o querem, têm sensibilidade viva para a defesa da propriedade. Contudo, são menos sensíveis para temas sociais, como família, aborto, modas, mentalidades, costumes. Posições demolidoras, retrocessos quanto ao ideal cristão de perfeição social, são vistos como grandes avanços. A dizer verdade, são aproximações da utopia libertária comunista, avançam rumo a ela.
Falta alguma coisa? Falta. Para os adversários do marxismo cultural a situação ficaria mais bem esclarecida se fosse colocado no centro do panorama o que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em visão de conjunto, chama de as três profundidades da Revolução: Revolução nas tendências, nas ideias, e nos fatos. Desenvolve o tema no livro “Revolução e Contra-Revolução” [capa ao lado], do qual abaixo seguem extratos.
“Essa Revolução é um processo feito de etapas, e tem sua origem última em determinadas tendências desordenadas que lhe servem de alma e de força propulsora mais íntima.
Assim, podemos também distinguir na Revolução três profundidades, que cronologicamente até certo ponto se interpenetram.
A primeira, isto é, a mais profunda, consiste em uma crise nas tendências. Essas tendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam por realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto — habitualmente, pelo menos — nas ideias.
Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico. […] Inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem. Elas procuram por vezes, de início, um modus vivendi com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper em luta declarada.
Essa transformação das ideias estende-se, por sua vez, ao terreno dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera religiosa quanto na sociedade temporal. É uma terceira crise, já toda ela na ordem dos fatos […].
Essas três profundidades nem sempre se diferenciam nitidamente umas das outras. O grau de nitidez varia muito de um caso concreto a outro”.
Em suma, olho nos fatos. Mas olho também nas ideias. E olho em especial nas tendências desordenadas, alma e força propulsora dos movimentos revolucionários. O marxismo cultural ficaria mais bem compreendido, repito, se analisado sob a luz das três profundidades da Revolução.
Excelente síntese expositiva. Parabéns. Nas “três profundidades da Revolução”, sobretudo a primeira, relativa às tendências, Jesus Cristo esclarece: ” é do dentro do coração do homem que saem as intenções malignas” (Marcos, 7,21 s). A redenção merecida por Jesus Cristo é a unica possível para superar o pecado e suas consequências, consideradas também como ideologias. Estas tentam justificar as “tendencias” e assim, legitimar o pecado do homem, contaminando a sociedade.